A Dimensão Artística da Dança
A dimensão artística da dança tem por finalidade a criação, interpretação, produção e reprodução de obras coreográficas.
Está associada a um alto nível técnico e de especialização, ao treino prolongado (normalmente a formação de um bailarino profissional demora de 8 a 10 anos em escolas especializadas como os conservatórios nacionais, com currículos próprios), a uma seleção muito exigente dos seus intérpretes e a instituições como os conservatórios já referidos, os teatros e as companhias de dança.
Tal como nas artes plásticas não é fácil encontrar a fronteira entre o que é ou não é arte em dança. Tem sido motivo para muitas e muitas páginas de muitos autores de referência, no meio de muito lixo diga-se de passagem, e a questão continua e continuará em aberto, quer pela natureza filosófica do debate quer pela própria evolução das tendências artísticas que tendem a pôr em causa todas as fronteiras e todos os critérios pré-estabelecidos. Apesar da controvérsia, existem atualmente ferramentas que permitem a cada um de nós escolher o que pode ser considerado arte e o que não pode. Vou dar alguns exemplos para ver se me explico melhor: a música pimba é música mas... aquilo não tem arte nenhuma, qualquer analfabeto musical consegue fazer parecido ou mesmo um bocadinho melhor. A dança dos casamentos e batizados, das discotecas, da maior parte dos ranchos folclóricos do meu país, para não dizer da totalidade, é dança! Sobre isso não tenho nenhuma dúvida. Sinceramente, tenho mais dúvidas sobre algumas apresentações designadas de dança contemporânea que presenciei ao vivo e em que vi pouco ou nenhum movimento dançado. Mas estão, todos estes exemplos que dei anteriormente, longe, muito longe de poderem ser consideradas manifestações artísticas de dança. Nos primeiros casos porque a arte normalmente está ausente (não existe sequer uma intencionalidade estética) e no último exemplo, pode existir uma intencionalidade estética mas é a própria dança que não marca presença. Pode existir dança sem movimento dançado?
E se pensarmos que isto é subjetivo, um dos argumentos mais utilizados quando faltam argumentos, estamos mais uma vez a correr o risco de nos enganarmos sobre o essencial. Num dos estudos por mim orientados, mostrámos 4 pares de profissionais a dançar a mesma coreografia (aquilo que no meio se chama 4 casts) a uma amostra de 200 pessoas. Para que se centrassem nos intérpretes escolhemos a mesma coreografia, filmada nas mesmas condições, sempre em dias de espetáculo. Os intérpretes eram os bailarinos principais mas existe um escalonamento óbvio, validado até pela própria direção artística da companhia que decide pelo menos quem dança na estreia e quem dança apenas numa matinée. Tratava-se de uma obra do repertório do ballet clássico e a amostra tinha uma distribuição equilibrada em termos de idade, género e conhecimentos em dança. Pedimos-lhes para escolher o bailarino preferido, a bailarina preferida e o par preferido. Os resultados demonstraram que as preferências coincidiram quer em pessoas habituadas a ver ballet quer nas que estavam a vê-lo pela primeira vez. O que nos fez concluir que avaliação da qualidade é seguramente muito mais objetiva do que subjetiva, mesmo quando se trata de avaliar objetos ou performances artísticas em que o gosto entra em jogo. Este tópico merece com certeza que voltemos a ele, não apenas pela sua natureza controversa, mas porque precisa mesmo de ser aprofundado.