As técnicas de dança
É frequente ouvirmos dizer que aquele bailarino tem uma técnica prodigiosa ou que um outro tem uma técnica deficiente.
A técnica entra no vocabulário da dança, com alguma facilidade, particularmente na análise da uma determinada performance. Diz-se o mesmo de um músico hábil, que domina com maestria técnica um determinado instrumento, ou de um atleta que executa com perfeição um conjunto de habilidades motoras complexas. Por outro lado, também se utiliza o termo para designar o repertório motor de uma determinada forma de dança: técnica de dança clássica, técnica de dança contemporânea, hip-hop, salão, etc. As aulas de dança são no fundo, ou pelo menos a maior parte das vezes, essencialmente momentos de aprendizagem de técnicas. O treino da técnica assume um papel fundamental na formação dos bailarinos profissionais que nas escolas vocacionais chegam a dedicar-lhe mais de vinte horas semanais. Sem o domínio da técnica, que nas últimas décadas evoluiu para patamares de exigência quase inusitada, o acesso à profissão fica completamente comprometido.
A sua importância merece por isso que aprofundemos um pouco este tema e vejamos melhor o que se esconde sob esse vocábulo tão frequentemente utilizado. A noção de técnica, seja em dança ou em outra atividade humana qualquer, assenta primordialmente em dois conceitos: o de eficiência, um modo hábil de realizar uma determinada tarefa e o de tradição, tendo em conta que as diferentes culturas adotam esses modelos de execução e os passam de geração em geração. Numa perspetiva antropológica, as técnicas de dança inserem-se no conjunto de técnicas corporais, modos de utilização do corpo que ao longo da história da humanidade se foram aperfeiçoando e criando modelos, padrões que estão enraizados nas culturas dos povos e que por tradição se mantêm até caírem em desuso, por tédio ou fadiga estética (um conceito interessante que explica que os géneros e os estilos artísticos podem deixar de ser usados apenas por saturação, incapazes de resistir à necessidade humana de variedade). A sua substituição pode ser ditada porque se encontraram maneiras mais eficientes de fazer as mesmas coisas mas nem sempre são substituídas porque a tradição ou uma determinada opção estética podem ter um peso maior do que a inovação. As técnicas corporais vão desde o simples andar ou correr até à maneira como manipulamos os objetos ou realizamos tarefas motoras quaisquer que elas sejam. No fundo, podemos ser mais ou menos hábeis, a andar, a correr, a vestirmo-nos, a calçarmo-nos, a descascar batatas, a acender uma fogueira, a apertar um parafuso, a mudar um pneu, a manobrar um automóvel, a saltar ou a fazer pirouettes. Para todas essas ações criámos diferentes modos de fazer, uns mais eficazes que outros, e para todas essas tarefas podemos criar uma escala que permita classificar o nosso grau de habilidade em cada uma delas. As diferentes técnicas de dança, das mais simples às mais complexas, das mais ocidentais às mais orientais, das mais antigas às mais contemporâneas, constituem-se em formas de utilização do corpo (saltar, rodar, combinar passos, gestos e poses, etc.) muito específicas, que se transformaram em padrões motores que se podem imitar, apropriar e reproduzir de forma rigorosa. Não é preciso ser um especialista para conseguir diferenciar os mais e os menos hábeis na execução de tarefas motoras como as que estão associadas à atividade de dançar. O que importa compreender é que a técnica é apenas um meio, poderoso, mas apenas um meio, ao serviço da expressão de ideias, sentimentos e emoções. Confundir os meios com os fins e reduzir a dança a um desfile de habilidades técnicas, normalmente estereotipadas, não costuma dar bons resultados. Todos conhecemos casos de jovens habilidosos, com muita técnica, que não conseguem passar em sucessivas audições, provavelmente porque os diretores artísticos procuram algo mais do que o domínio da técnica.