O movimento dançado
A dança pode ser muitas coisas diferentes, mas se existe alguma coisa em comum em toda a sua diversidade,
será a sua matéria prima: o movimento humano. Uma manifestação particular e única do comportamento motor humano. Parece-nos evidente e consensual. Contudo, não será fácil distinguir a dança de outras categorias do movimento humano, que vão das atividades quotidianas às desportivas, passando pelas laborais e pelas de contacto e exploração da natureza. Andar, correr, saltar, nadar ou dançar serão algumas atividades que fazem parte do repertório motor humano. Algumas dessas ações podem até ser partilhadas com outras espécies, mas têm nos humanos um desenvolvimento particular, caraterístico e eclético. Dentro da especificidade do andar dos humanos, por exemplo, existe uma multivariedade assinalável, que está longe de estar fechada pois a criatividade humana continuará a produzir formas diferenciadas, e pelos motivos mais diversos, incluindo não apenas as ligadas à funcionalidade, à eficácia e à tradição mas também à estética e à comunicação. A dança clássica fez uma opção estética (no século XVII) convencionando que todos os movimentos seriam realizados em en dehors ou turnout, ou seja com rotação externa dos membros inferiores. Fez outras convenções, como por exemplo que todos os movimentos se iniciam e terminam em cinco posições bem definidas dos pés. Tudo por razões estéticas, porque se entendeu que o para fora seria mais interessante, mais bonito e até mais funcional (o que nem sempre será verdadeiro) do que o para dentro. Por isso quando identificamos uma pessoa a andar na rua com os pés rodados para fora e ouvimos a expressão anda como uma bailarina, estamos a identificar essa opção estética, mas não estamos ainda a identificar o ato de dançar.
Para isso são necessários mais alguns critérios que nos permitam afirmar por exemplo que alguém está a dançar e não está a fazer ginástica ou contorcionismo. O circo, a ginástica e a dança poderão ter alguns pontos em comum mas serão com certeza, atividades humanas com identidade própria.
Por outro lado, quando é que uma habilidade motora geral como o andar, por exemplo, se transforma em movimento dançado? Será que a dança só utiliza habilidades próprias e exclusivas, ou pode roubar algumas habilidades a outras atividades e transformá-las em movimento dançado?
As questões são muitas, são antigas e algumas ainda esperam uma resposta cabal e segura. No processo de identificação do fenómeno de dançar e em particular do movimento dançado recorre-se normalmente a duas vias de análise: contextualista, que tende a realçar o envolvimento em que ocorre o movimento dançado (se ocorre num palco e com acompanhamento musical: esse movimento deve ser dança... o que nem sempre será verdade); isolacionista, que exclui na análise as variáveis contextuais e se foca na identificação da dança através das características do movimento dançado.
A visão contextualista apresenta muitas fragilidades: se num jogo de futebol, após um golo, os jogadores festejarem dançando uma pequena coreografia, é de movimento dançado que se trata apesar do ambiente ser desportivo; se num espetáculo de dança o bailarino executar movimentos do quotidiano, pantomimas ou acrobacias gímnicas, teremos o ambiente, o contexto da dança, mas não temos o movimento dançado.