A dança... desporto, desporto não é!

Oportunidance Oportunidance Source: Wikipedia

A confusão conceptual está de tal modo instalada que é frequente vermos a dança associada ao desporto,

como se tratasse de mais e apenas mais uma modalidade desportiva. Deve-se em parte ao peso que o desporto adquiriu nas sociedades contemporâneas, mas também a uma grande nebulosa conceptual. Os teóricos do desporto e da educação física também não têm ajudado, contribuindo muitas vezes para o avolumar dessa nebulosa em que é difícil discernir o que quer que seja. Resumindo, existem pelo menos duas posições: uma, que na tentativa de enaltecer e defender o desporto, usa-o de forma extensiva, englobando sobre essa designação não apenas toda a atividade física, mas também os movimentos das peças de xadrez ou o voo dos pombos, considerando por exemplo, a columbofilia como uma modalidade desportiva. Não gostam da expressão educação física, e por eles, aquilo que se faz na escola devia designar-se por desporto, ponto final. Por outro lado, existem alguns sobreviventes a este tsunami desportivo, entre os quais me incluo, que reconhecem o desporto como sendo um, mas apenas um, dos referenciais da educação física, a par das danças, dos jogos não desportivos, das atividades de condicionamento físico, de exploração da natureza, etc. Ou seja, acham que nem toda a atividade física é de natureza desportiva e que o mundo só tem a ganhar com o reconhecimento da riqueza e potencial pedagógico das atividades físicas não desportivas, entre as quais se incluem naturalmente as danças.

Pensemos então, em voz alta, nos traços que podem identificar o fenómeno desportivo. A imagem formada por síntese mental (construto) que temos do desporto assenta essencialmente em quatro traços ou elementos: atividade física, competição, regras e associativismo. Podíamos acrescentar ainda a questão dos valores (fair-play) mas isso ficará para outra ocasião. Concentremo-nos por agora nas noções de atividade física e de competição.

Associamos desporto à atividade física. Um dos instrumentos que nos podem ajudar na definição de atividade física designa-se por equivalente metabólico ou MET. 1 MET (convencionado como o equivalente ao consumo de 3.5 mL O2·kg−1·min−1 ou 1 kcal·kg−1· h−1) equivale ao metabolismo de repouso, tomando como referência a posição de sentado. Com base neste indicador criaram-se quatro categorias relativamente à intensidade da nossa atividade: atividade sedentária (até 3 MET), atividade física moderada (entre 3 e 6 MET), atividade física vigorosa (entre 6 e 9 MET) e atividade física muito vigorosa (mais de 9 MET). Ou seja, só é considerada atividade física a partir dos 3 MET. Uma boa caminhada, subir as escadas ou tomar banho numa praia podem implicar a elevação do valor de repouso mais de três vezes, e por isso serem consideradas atividades físicas. O que será seguramente um exagero é considera-las como formas de atividade desportivas. A dança, algumas atividades ligadas ao trabalho, as atividades de exploração da natureza ou as de simples condicionamento físico, são exemplos de atividades físicas não-desportivas.

Outro elemento indissociável da noção de desporto é a competição. O desporto na sua versão mais pura, desenvolveu-se em competições de natureza física, na realização de proezas olímpicas, que pressupõem um antagonismo (agon) direto entre duas equipas ou dois atletas, e consequentemente um vencedor e um ou mais derrotados. Mais uma vez, será um exagero considerar que toda a competição que envolva destreza motora seja considerada como desportiva. Existem algumas competições em dança, como por exemplo o Grand Prix de Lausanne para jovens bailarinos ou os frequentes campeonatos das danças de salão, mas não devemos tomar a floresta pela árvore, ou seja, essa é uma atividade residual no contexto da dança. Pode-se até querer transformar a dança num desporto, mas ela vai resistir porque essa não é a sua natureza. Não é por haver concursos para músicos, em que a competição é feroz, que a música passa a ser um desporto. Não será por existirem concursos literários que os escritores passam a ser atletas ou desportistas.