O treino em dança

Oportunidance Oportunidance Source: Wikipedia

Os bailarinos passam muitas horas agarrados à barra, a olhar para o espelho, a aperfeiçoar a sua técnica,

a repetir determinadas habilidades, a aprender as combinações de ações motoras que fazem parte de uma nova coreografia, e a enfrentar o público apresentando o seu trabalho. Quem tem de se apresentar em público com alguma regularidade, prepara-se para isso, para estar no seu melhor. Essa preparação que visa uma melhora contínua da performance designa-se normalmente por treino e engloba um conjunto de processos que se podem dividir em cinco grandes componentes: treino técnico, treino coreográfico, treino físico, treino psicológico e treino metabólico.

Nas aulas, coletivas ou individuais, o foco está na técnica, na aprendizagem e aperfeiçoamento das habilidades motoras que são a base de uma determinada forma de dança. Nos ensaios treina-se o repertório coreográfico, as coreografias que são apresentadas nos espetáculos. Nos estúdios e nos ginásios treinam-se também as qualidades físicas, como sejam a força, a flexibilidade ou a resistência, que servem de suporte à técnica e à execução do repertório coreográfico. Apesar de ainda não ser muito frequente no universo da dança, é através do treino psicológico que nos preparamos de modo a controlar a ansiedade, a focarmo-nos no essencial, a encontrar motivação para ultrapassar os obstáculos que surgem no dia-a-dia. Por último, o treino metabólico consiste no conjunto de processos que envolvem nomeadamente uma nutrição adequada e um equilíbrio entre o esforço e a recuperação (work-to-rest ratio).

Uma noite mal dormida, uma restrição calórica frequente, uma hidratação insuficiente podem contribuir para uma prestação menos boa, ou seja, podem deitar por terra as milhentas horas de ensaios e de treino da técnica. Daí que estas cinco componentes do treino estejam interligadas e a todas deve ser dada a devida atenção e importância. As finalidades do treino em dança materializam-se numa melhoria da performance, na prevenção das lesões e no prolongar da duração da carreira profissional. Para atingir essas finalidades é preciso tratar das cinco componentes, não se pode esquecer nem privilegiar nenhuma delas. A técnica é muito importante mas o treino em dança não se esgota no treino da técnica. As habilidades técnicas estão diretamente correlacionadas com os níveis de força e de flexibilidade, por exemplo, pelo que será através do treino físico que se obterão melhorias da técnica e consequentemente da performance artística. As cinco componentes estão relacionadas de forma interdependente, pelo que será necessário estar atento a cada uma delas e selecionar a cada momento a que deve estar no centro do trabalho, de modo a que obtendo uma melhoria numa delas se obtenha um efeito multiplicador nas restantes.

O treino é um processo de melhoria contínua, de constante superação, de sacrifício e de alguma privação face aos modelos confortáveis de vida das sociedades contemporâneas.Para se obter um alto rendimento em dança, tal como no desporto e em muitas outras atividades humanas, académicas ou laborais, é preciso treinar muito e bem. Quantas horas serão precisas para formar um piloto ou um cirurgião? Para os autores da prática deliberada, existe um mínimo de dez anos ou de 10 000 horas para formar um expert,(1) sendo que em determinados domínios esses números podem ser insuficientes. Não existindo hoje muitas dúvidas que os especialistas nos domínios da arte ou da ciência serão muito mais produto do treino, do que qualquer dom inato adquirido por via genética. Os genes até podem lá estar, convenhamos que ter um bom ponto de partida pode ser uma vantagem, mas sem o treino aturado, rigoroso, contínuo, com a qualidade adequada, jamais se poderão expressar com sucesso no mais alto nível de rendimento.

(1) Ericsson, K.A., Prietula, M.J. & Cokely (2007). The Making of an Expert. Harvard Business Review, p.1-7.